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27/08/14

Influência Hormonal no Comportamento Canino

Os compêndios de Etologia Clínica recomendam que uma das primeiras medidas a tomar no tratamento de algumas tipologias de agressividade é a castração dos cães. Com este artigo vamos tentar explicar o porquê dessa recomendação, além de outras e, fundamentalmente analisar a enorme influência do sistema endócrino no comportamento dos cães.

O Sistema endócrino

Como é do conhecimento comum, o sistema endócrino, é composto por várias glândulas que segregam hormonas, sob supervisão do hipotálamo e que controla a coordenação fisiológica do corpo. Este controlo é efectuado através da libertação de hormonas, quando são necessárias, e contendo a sua produção quando não o são.

As glândulas do sistema endócrino são de segregação interna, o que quer dizer que inundam de hormonas directamente o sangue. A corrente sanguínea transporta essas hormonas para todos os tecidos do corpo. Como estas têm um cariz controlador, elas não só são enviadas para todos os órgãos, como também controlam as suas funções, mas atenção! Cada hormona, apesar de passar por todos os órgãos, ela tem como objectivo um especificamente e só afecta esse.

As glândulas e hormonas do sistema endócrino

A mecânica da acção deste sistema no comportamento é a seguinte:

O hipotálamo, que está situado na base do cérebro, envia sinais à glândula pituitária, hipófise, que se encontra muito perto dele. Ao receber os elementos libertados pelo hipotálamo a glândula pituitária segrega várias hormonas que estimulam as outras glândulas endócrinas para que segreguem as suas próprias hormonas.

Apesar de o sistema endócrino do cão ser bastante complexo e composto por várias glândulas, como são os casos da glândula pituitária que segrega a hormona luteizante, ou a supra-renal que segrega a insulina, as quatro hormonas que nos interessam e que influenciam mais directamente o comportamento canino são a testosterona, a adrenalina, a noradrenalina e o cortisol.

Testosterona

A testosterona é uma hormona esteroide que se produz a partir do colesterol. Grande parte da testosterona é produzida nos testículos do macho, mas também é sintetizada, em quantidades muito inferiores no córtex adrenal, nos ovários femininos e na placenta.

A testosterona pode regular certos comportamentos. Por exemplo, faz com que os animais mantenham a concentração durante mais tempo e respondam de uma maneira mais vigorosa aos estímulos emanados de conflito e agressividade. A testosterona leva a que os animais se activem e respondam a uma provocação com maior facilidade, e activam-se, e agridem-se de uma maneira mais intensa e por um período de tempo mais longo. Está provado que os seres humanos com altos níveis de testosterona no sangue são mais propensos a cometerem crimes, em especial crimes violentos.

Adrenalina e Noradrenalina

O córtex adrenal produz várias hormonas denominadas esteroides, que regulam o metabolismo da glicose, produzem as hormonas sexuais e mantêm os níveis equilibrados de minerais.

Uma dessas hormonas mais importantes é a adrenalina, também chamada epinefrina, que interactua com o sistema nervoso simpático para ajudar o corpo a preparar-se para situações de emergência. A adrenalina é libertada na corrente sanguínea quando um animal se assusta (stress agudo). O coração bate mais rapidamente e o fluxo sanguíneo altera-se desviando-se da pele e dos intestinos para os músculos preparando-se para a luta ou para a fuga.

A noradrenalina é responsável, entre outras coisas, pelo nível de energia de um cão. Se a noradrenalina diminui, o corpo bloqueia o gasto de energia.

Num cão, o estado letárgico e a depressão podem ser sintomas de inibição ou redução de noradrenalina no sangue. O organismo só pode funcionar durante um tempo limitado com níveis baixos de noradrenalina (stress crónico) antes de ficar bloqueado por completo. A diminuição da noradrenalina está associada à indefesa aprendida e à depressão.

A presença de um alto nível de noradrenalina provocará agressividade, um estado de alerta excessivo e inadequado, um comportamento impulsivo e uns altos níveis de excitabilidade.

As experiências traumáticas e o stress prolongado, levam a uma diminuição da noradrenalina

Cortisol

O cortisol, mais uma hormona sintetizada no córtex adrenal e que é segregado em pequenas quantidades em ciclos naturais ao longo do dia, mas em momentos de stress é segregado em grandes quantidades com a finalidade de preparar o animal para enfrentar os desafios e as ameaças.

O cortisol inibe o sistema imunológico e o processo de formação dos ossos. Inibe igualmente a acção da insulina e facilita a transformação dos hidratos de carbono, lípidos e proteínas para provir o corpo de mais energia para poder confrontar-se com o agente stressante.

A exposição ao cortisol por um breve período promove o armazenamento de recordações, que irá ajudar o animal a recordar-se das circunstâncias que originaram uma situação de intensidade importante. Infelizmente, estas recordações de tipo “flash” vividas intensamente são momentos de stress extremo. Quando um cão se sensibiliza e experimenta uma forte subida de cortisol, pode recordar muito bem esses factos. Daí que o cortisol seja particularmente problemático no desenvolvimento e tratamento de fobias e comportamentos agressivos.

A longa exposição ao cortisol tende a danificar as células do hipotálamo e, em consequência, a prejudicar o processo de aprendizagem. Um animal que sofre de stress crónico tem dificuldades em aprender. Isto tem implicações na hora de tratar problemas de comportamento relacionados com o stress.

Nesse contexto, devemos reduzir o stress para que as técnicas de modificação do comportamento tenham influência na aprendizagem do cão.

Resumo

É importante que o terapeuta na hora de intervir esteja de posse de todos os conhecimentos e de todas as ferramentas que estão à sua disposição para intervir na resolução do problema e, neste caso particular, deve ter presente que o sistema endócrino está encarregue de controlar as substâncias químicas que circulam no nosso corpo e têm um efeito sobre vários dos seus órgãos. O hipotálamo, um componente do sistema límbico controla quando e o que se segrega. Estas substâncias químicas que se libertam no sangue afectam o comportamento. Algumas como o cortisol combatem o stress enquanto que outras como a testosterona fazem com que os cães machos actuem como tal. A adrenalina é a substância química que prepara o organismo para as emergências mas também pode provocar muitos problemas.


Em breve publicaremos um artigo sobre os dois tipos de stress, agudo e crónico, e como eles afectam o comportamento dos cães.       

Sílvio Pereira

15/08/14

Estimulação Mental em Cães


A estimulação mental em cães, também conhecido por enriquecimento mental é, a par da estimulação física, essencial para o equilíbrio e bem-estar do animal.

 Na natureza e em animais que, apesar de domesticados, têm a oportunidade viver em liberdade, eles próprios conseguem obter estes dois tipos de estimulação, podendo correr à vontade, e procurando ocupar o seu tempo explorando todas as atracções que o meio envolvente lhe proporciona, conseguindo assim suprir as necessidades de gasto de energias acumuladas e de enriquecimento mental devido ao facto de todos os dias serem confrontados com a exploração e identificação de estímulos novos, quer olfactivos, quer auditivos quer visuais, permitindo-lhes alargar o leque de conhecimentos proporcionados por essa procura constante de novas estimulações mentais.

No outro extremo, encontram-se os animais que devido ao actual modo de vida nas cidades, são obrigados a viverem confinados em apartamentos, durante todo o dia, sem poderem expandir convenientemente as suas necessidades de libertação de energias e exercitação mental, como consequência disso, desenvolvem diversas patologias do comportamento, umas mais graves que outras, mas todas elas contribuem para o sofrimento do animal e para a deterioração da relação com os elementos humanos da sua matilha, contribuindo assim, de forma decisiva, para o crescente aumento do abandono e eutanásia dos animais.    
 
Patologias como:

      ·         Ansiedade por separação;
·         Hiperactividade;
·         Comportamentos estereotipados;
·         Manifestações ligadas à procura de atenção: micção e defecação inadequadas, vocalizações excessivas, agressividade por jogo, ingestão inadequada: pedras, objectos e coprofagia, etc.;
·         Fobias e manias.

Podiam ser resolvidas, na sua grande maioria, por uma estimulação mental mais intensa, mais presente no dia-a-dia do animal e que faça parte das suas rotinas.

 Os modernos terapeutas comportamentais caninos estão a dar um enfoque bastante grande à falta de estimulação quer física quer mental, como estando na origem das patologias acima descritas e cada vez mais têm prescrito tratamentos com base na alteração ambiental, criando regras e rotinas primeiro e trabalho específico de estimulação mental como complemento do processo de regressão comportamental.

 Para incentivar um cão a que disfrute e se concentre de forma activa em algo, promovemos a activação do córtex cerebral que impede que o sistema límbico active emoções problemáticas.

“Um cão, ou uma pessoa que está concentrada numa tarefa, normalmente não é surpreendido facilmente por emoções fortes. De facto, pode abdicar de estímulos irrelevantes para a tarefa. Por isso, cães com algum grau de problemas comportamentais podem interagir com outros em paz: a sua concentração não se centra nas suas respostas emocionais mútuas, mas sim na tarefa” (Clothier 1996).
 
Estimuladores mentais ou brinquedos interactivos

Os estimuladores mentais, há também quem lhe chame brinquedos intaractivos, podem ser divididos em dois: aqueles que mantêm concentrados e ocupados os cães quando sozinhos e os que nos ajudam a interagir com eles em ambiente de brincadeira ou jogo. Devido aos objectivos que pretendemos alcançar com o presente artigo, vamos só debruçar-nos sobre os primeiros.

Estes estimuladores servem, como o nome indica, para lhes manter a mente ocupada com a finalidade de atingir um objectivo que, independentemente do tipo de estimulador utilizado é sempre o de conseguir algo que lhe satisfaça um instinto que, quase sempre tem a ver com a alimentação.
 
O estimulador das 3 garrafas

Ideia muito interessante retirada de um vídeo da internet em que o objectivo é que o cão, com batidas de patas na base das garrafas de plástico que estão ligadas a um veio um pouco acima do centro da garrafa, que contêm pequenos pedaços de biscoitos, estas se virem e ao fazê-lo deixem cair pelo gargalo as guloseimas que lá se encontram. Isto mantém os cães bastante tempo entretidos com o brinquedo, uma vez que as garrafas ao serem viradas, dependendo do tamanho dos pedaços de comida, só deixam cair um, ou no máximo dois, de cada vez que são viradas. É muito fácil de construir e muito útil.

Se pretender, o Centro Canino Vale de Lobos disponibiliza este equipamento.

Um exemplo de como funciona este estimulador mental pode ser visto através deste link:


Os Kongs

Como o equipamento anterior, o objectivo deste estimulador é o de manter o cão empenhado em conseguir retirar toda a comida que foi colocada numa  cavidade que o brinquedo possui. Como os Kongs são fabricados de borracha resistente mas flexível, o animal ao abocanhar o brinquedo obriga a que este comece a libertar a comida que se encontra no seu interior.

Um credenciado autor, Ian Dunbar, defende que o animal que está confinado a um pequeno espaço, para o manter permanentemente ocupado, deveria receber toda a sua alimentação diária inserida num kong e não disponibilizada num comedouro

Pode encontrar este tipo de estimuladores em qualquer loja, física ou online, de artigos para animais.

Ossos naturais e artificiais

Apesar de já existirem à venda nas lojas da especialidade uma panóplia imensa de ossos com várias composições: pele de búfalo, plástico impregnado com agradáveis odores e sabores, fumados, etc., o osso natural do fémur, úmero ou joelho de vaca, cru ou cozido, limpos de todas as gorduras, ligamentos e tendões, ainda são os mais saborosos e os que mantém os animais mais tempo concentrados em lhes retirar as cartilagens e atingir o tutano, que é o objectivo final. Eles passam horas neste trabalho, exercitam as mandíbulas, limpam os dentes do tártaro que possa existir e estão descansados na sua labuta.

Dirija-se ao seu talho e peça uma parte dos ossos de vaca mencionados acima e que lhos corte em pedaços com cerca de 10 a 15 cm de tamanho.
 
Os puzzles

Estimuladores mentais criados há relativamente pouco tempo, muito interessantes e criativos e que, mais uma vez, o objectivo é que leve o cão, depois de passar por diversas fases que o obrigam a empenhar-se e a utilizar o processo tentativa/erro, a obter uma guloseima como recompensa.

Actualmente, há no mercado uma oferta bastante grande de vários tipos de puzzles e com vários níveis de dificuldade na obtenção da guloseima.

Se na sua loja não encontrar este tipo de estimulador pode encomendar neste site:


Conclusão

Se repararem, o princípio desta aprendizagem e a resolução das dificuldades que cada equipamento oferece, está mais uma vez baseado no Condicionamento Operante: um comportamento tem sempre uma consequência, agradável ou desagradável, e os animais têm sempre tendência a valorizar e a explorar a agradável e a extinguir a desagradável. 

Depois da leitura deste artigo, já não há desculpas para mantermos os nossos cães na ociosidade quando necessitamos de os deixar sozinhos, deem-lhe algo que os motive e que os mantenha ocupados e concentrados e vão ver os benefícios que daí advêm, tanto para o cão como para os seus donos.
 
Silvio Pereira