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08/02/11

O CARÁCTER, O TEMPERAMENTO E AS QUALIDADES INTRÍNSECAS DE UM CÃO

2ª Parte

O TEMPERAMENTO

Os seguintes traços de carácter têm uma particularidade comum a todos: que é aquilo a que vulgarmente os adestradores chamam “Força de Vontade”, “Tenacidade”, “Alerta”, “Disponibilidade para o Trabalho”, “Irreverência”, etc. Por isso decidimos separá-los das outras características que compõem o carácter, e tratá-los nesta segunda parte do artigo dedicada ao Temperamento canino.

Tempera. Esta definição contempla a intensidade e velocidade de resposta ante estímulos externos de qualquer natureza. Não se deve aplicar este termo como sinónimo de carácter e muito menos de agressividade. Tal como sucede com a sociabilidade e a docilidade, a educação canina permite acrescentar temperamento aos espécimes adestrados.
Vigilância. Representa a particularidade sensitiva do cão para pressentir algo anormal e potencialmente perigoso, ameaça para ele como individuo e/ou como integrante na matilha (equivalente à família humana). Por vezes associada a grande sensibilidade olfactiva e auditiva dos canídeos, a aptidão de vigilância, tipo sexto sentido que permite pré-advertir grandes calamidades naturais – terramotos, inundações, incêndios, tempestades – e resolver antecipadamente a guarda e protecção do grupo (congéneres, pessoas e animais a seu cuidado.
Valentia. No campo do comportamento canino, a valentia descreve a capacidade de resistência a uma acção ou factor externo desagradável ou agressivo. É condição indispensável para guarda.
Coragem. A palavra “coragem” sintetiza uma convergência de impulsos para enfrentar positivamente situações de risco, conhecidas ou não, que possam afectar a integridade física do indivíduo ou do seu grupo comunitário. Esta disposição de luta surge como resposta directamente proporcional à sociabilidade e ao temperamento de cada um, sem se contrapor à docilidade. A coragem opõe-se ao sentimento de fuga – instinto personalista – à custa do sacrifício pessoal e, por arrasto, a defesa do conjunto (da matilha ou da família) o exime do medo e considerações individualistas.
Agressividade. Nos cães interessa-nos uma reacção física e activa – mas de modo proporcionado e sem exageros – ante um suposto perigo (ameaça territorial, dos seus congéneres e mesmo de todos os seres ao seu cuidado). A agressão obedecerá sempre a um motivo. Nos cães selvagens este comportamento é primordial para obter alimento e, consequentemente, está relacionado com o instinto predatório e a sobrevivência do mais apto.
Possessibilidade. Diz-se que um cão é possessivo quando, naturalmente, está predisposto a converter-se dono de qualquer coisa ou de alguém. Deriva – por sublimação – do comportamento predatório dos cães selvagens. O apropriar-se de seres ou objectos manifesta-se como expressão de competitividade e afirmação do espaço apreendido.
Combatividade. Este conceito alude à capacidade de lutar com vigor contra um estímulo exterior negativo mal este se manifesta. Verdadeiro “resorte” emocional, a combatividade há-de expressar-se com uma firme atitude de luta que, nalguns casos são encarados como esquemas ritualizados de combate e, desencadeando-se a agressão aberta. Este conceito distingue-se de outras formas de briga porque utiliza os sinais atávicos da espécie (posição da cauda, orelhas, pelo eriçado na cruz, etc.). Autores como Enzo Vezzoli sustentam que frequentemente a combatividade se associa e inclusivamente tem origem na possessibilidade.

QUALIDADES INTRÍNSECAS DE UM CÃO

Sensibilidade e Recuperação

A sensibilidade e a capacidade de recuperação são factores psicofísicos do animal que o adestrador deve perceber de forma imediata testando ou simplesmente, trabalhando com o cão. A sensibilidade física ou psíquica e o tempo que o cão leva a recuperar de uma situação de conflito com o seu adestrador, são os factores determinantes da intensidade com que este poderá aplicar a pressão ou o castigo.
A pressão é entendida como: “força exercida sobre o cão, antes ou durante a ordem, para conseguir execução e rapidez”. O castigo ou estímulo aversivo é “a consequência negativa que recebe o animal como resultado de uma resposta inadequada”. Em termos coloquiais o castigo será: a correcção física ou psíquica que o cão recebe perante uma falta. Como dizíamos antes, é muito importante conhecer o grau de sensibilidade e a recuperação de cada indivíduo. Há cães que só com um olhar do guia se sentem, para eles o castigo consiste numa voz num tom mais áspero. Ao contrário, um cão duro necessitará uma pressão ou um castigo mais expedito.
Há quem compare a sensibilidade do animal à sua qualidade. Realmente estes conceitos não estão unidos já que há cães duríssimos não aptos para o trabalho assim como há animais sensíveis de uma qualidade extrema. Portanto, é o adestrador que deve adaptar-se à sensibilidade do cão e não o cão ao adestrador.

Intrepidez

Qualidade que representa o nível de arrojo ou valentia ante determinados problemas ou obstáculos. Não devemos confundir este conceito com o da conduta defensiva. Um cachorro de cinco meses pode ser muito intrépido sem apresentar atitudes defensivas.
Para observar a intrepidez de um cachorro colocamo-lo em cima de uma mesa alta. Quando o chamamos podemos obter uma referência de conduta. No caso de um cão adulto, colocamo-lo num dos lados de uma vala e nós no outro, então observamos como ele resolve o problema.
É importante que testemos frequentemente o cão em situações novas para ele. A espontaneidade permitirá, dessa forma, uma análise do comportamento do cão uma vez que a aprendizagem não permitirá introduzir um factor de variabilidade.

Tenacidade

Capacidade de resistir ao abandono de uma actividade que apresenta expectativas de satisfazer um instinto. Portanto, a tenacidade está muito ligada ao nível do instinto invocado.
Como exemplo podemos colocar uma bola à vista de um indivíduo com o instinto de caça bastante desenvolvido. O animal tomará uma atitude expectante e, se lhe impedimos o acesso, teremos o indicador da sua tenacidade controlando o tempo que leva a tentar obtê-la.

Temperamento

É a capacidade de adaptação e resposta orgânica do animal perante sucessos inesperados. As respostas de inquietação, surpresa excessiva ou, inclusivamente medo, quando algo se modifica de forma repentina, no âmbito da sua percepção sensorial, denotam, em maior ou menor grau, uma possível carência de Temperamento no cão. Neste caso, descartamos os modelos de conduta associados ao G.A.S. (Síndrome Geral de Adaptação) ou as reacções gerais de emergência, que leva-nos a supor uma deficiência no seu temperamento.
Para observarmos o nível de temperamento de um indivíduo podemos efectuar um disparo, introduzir um objecto novo e chamativo no seu meio envolvente quando está ausente ou simplesmente, deixar cair um objecto metálico que produza um som alto quando o cão estiver distraído.
Estes não são mais que alguns exemplos mas, mão há dúvida que o temperamento pode testar-se de diversas formas.
Um cão que lhe falte temperamento pode fazer-se insensível a um estímulo concreto, por um processo de habituação mas, noutro contexto aparecerá esta deficiência revelando assim as suas limitações.

Resolução

É a capacidade de dar solução a um problema que se lhe apresenta num contexto desconhecido. Está estreitamente ligado à “inteligência” do animal. Esta qualidade é fácil de reconhecer em cachorros e jovens que não tenham sido condicionados em excesso. Para testar esta qualidade nos cães deve-se procurar um local afastado para evitar a inibição dos mecanismos do animal ante problemas em contextos novos. Para testar um cachorro pode-se utilizar um recinto vedado e, depois de um passeio, deixa-se solto e à vontade e chamamo-lo do outro lado da vedação enquanto observamos a sua reacção.

Até aqui temos analisado o cão de forma genérica tendo em conta as virtudes e qualidades que o adestrador deve considerar quando selecciona um cão para uma determinada função ou quando testa um animal que lhe é entregue para ser formado.

Do que foi dito neste artigo deve deduzir-se que não existem dois indivíduos iguais e portanto, a manipulação e o método a seguir no processo de adestramento, deverá ajustar-se a uma análise individual.
Devemos ter em conta aqueles factores de variabilidade que alteram os resultados do estudo. Enfermidades, doenças, fases críticas do desenvolvimento psicofísico, hostilidades ambientais, traumas muito recentes e inclusivamente, instintos primários satisfeitos, distorceram em menor ou maior grau, a percepção do analista.
Com o estudo e a experiência aprofunda-se o conhecimento do cão e do seu meio envolvente evitando, desta forma, surpresas e sobretudo, reduzindo ao mínimo, o factor sorte.