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29/07/09

Hereditariedade do Comportamento

Foram os Etólogos Scott e Fuller que iniciaram os estudos sobre as diferenças comportamentais do cão baseadas na genética de cada raça. Ao encontrar variação no estudo de cinco dessas raças, atribuíram estas diferenças a factores genéticos. Além disso observaram que a variabilidade de caracteres, dentro de cada raça, era igualmente bastante considerável.

Estes estudos sobre cães domésticos foram levados a cabo nos anos 50. Posteriormente tentou-se avaliar a transmissão hereditária de vários caracteres de conduta sobretudo em raças de trabalho. As conclusões que nos interessam e que procuramos quando analisamos exemplares destinados ao trabalho em geral e ao adestramento em particular, são as seguintes:

• A transmissão hereditária do comportamento é baixa e, em muitos casos, não é significativamente diferente de zero.

• O único traço de carácter que apresenta uma transmissão elevada (entre 0,4 e 0,5) é o medo. Também estão incluídas neste campo, aquilo a que poderíamos chamar: instabilidade emocional, irritabilidade ou nervosismo. Tudo isto contribui para uma inadequada resposta do cão num contexto de um ambiente estranho.

• Não foi possível demonstrar que os problemas comportamentais, tais como a agressividade inadequada, tenham alguma componente de origem hereditária.

• A componente hereditária materna é sempre superior à paterna.

Analisando estas conclusões podemos adiantar com alguma segurança que realmente, o animal não herda “virtudes” mas sim “vícios”. Logicamente estas conclusões, em qualquer altura, podem ser rebatidas mas, até este momento, não existem estudos experimentais que demonstrem o contrário. Através destas conclusões podemos ainda chegar (não de forma empírica mas sim de forma lógica) às seguintes premissas:

• O objectivo da selecção é obter “indivíduos normais”.
• Entendemos um exemplar normal como estando isento de “problemas psicofísicos”.
• A agressividade por medo pode ser corrigida através da selecção.
• A variabilidade dentro da mesma raça obedece a uma selecção inadequada.

Para darmos um exemplo prático das conclusões a que estes Etólogos chegaram vamos analisar dois tipos de cães de uma raça muito popular; um exemplar de beleza e outro de trabalho.

Nalguns Países, para esta raça de cães obter um Certificado de Aptidão para a Criação de exemplares de beleza é necessário, cada exemplar, estar habilitado através de três itens específicos, que são:

• Um certificado que comprove a ausência de displasia Coxo-Femural.
• Uma qualificação de Excelente numa Exposição de Beleza.
• Ausência de medo (observada através de uma detonação imprevista provocada por uma arma de fogo).

Em relação ao Certificado de despiste da displasia não há nada a opor, pelo contrário só trás benefícios para a selecção e, como medida de precaução é bastante acertada.

O juiz de uma Exposição de Beleza, como humano, pode cair na tentação de estereotipar a raça, adaptando-a ao seu conceito de exemplar perfeito da raça e aos seus gostos pessoais. Contra isso nem a raça nem os humanos podem fazer nada. De qualquer forma, esta medida também pode ser benéfica sempre que o juiz esteja realmente preparado para interpretar o standard e o seu julgamento não dependa de correntes mediáticas.

O ponto de discrepância encontramo-lo na prova de “ausência de medo”. Sendo o conceito de habituação a capacidade que o animal possui para deixar de responder a um estímulo quando este se produz com determinada frequência, facilmente se pode habituar um exemplar a não responder a um disparo ou, simplesmente a realizar uma actividade redirigida quando este se produz. Assim, é costume observarmos que, muitos exemplares, depois de escutarem uma detonação não reagem, demonstrando uma encapotada ausência de medo. O Juiz da prova, induzido em erro, irá chegar à conclusão que se trata de um cão “corajoso”. Realmente, estas provas não reflectem a ausência de medo do cão mas a habilidade do treinador em trabalhar a aquisição de hábito.

Assim, o cão declarado apto mediante esta selecção pode ser corajoso ou não, e a sua prole, no caso em que o progenitor, apesar de superar as provas exigidas, não possuir essa característica, fixará este traço de carácter nuns 0,4 ou 0,5.

O cão de trabalho é testado exaustivamente tanto física como psiquicamente. As provas de ausência de medo transladam de um contexto a outro, desde o disparo à defesa ou à agressão , desde a capacidade de aprendizagem rápida à manifestação de inteligência. Com tudo isto, a margem de erro na hereditariedade do medo reduz-se consideravelmente. Assim se explica que esta raça, após poucas gerações, fragmentou-se em duas: as nossas tão conhecidas expressões “linhas de beleza” e “linhas de trabalho”.

É lógico que nas raças “best sellers”, não podemos fazer passar todos os exemplares por provas excessivamente sofisticadas, mas poderemos conseguir fazer com que os Juízes tenham uma experiência e uma formação adequadas em comportamento canino que lhes possa permitir reduzir consideravelmente o grau de erro na selecção de exemplares aptos para a criação.